segunda-feira, 12 de março de 2012

A pesquisa de mercado e a lógica do peru***

*** texto de autoria de Pedro Camargo, postado no Mundo do Marketing

Começo esse capítulo com a história que Nassim Taleb conta no livro “The Black Swan” e que permeia todo o seu pensamento: de que por natureza e aprendizado filogenético, temos mecanismos cerebrais que não nos permitem perceber os cisnes negros e apenas enxergar os brancos. Isto é, não nos atentamos ao que não aconteceu e poderia ter acontecido, eliminamos as incertezas e tomamos como padrão o passado.

Se ocorrer, poderá repetir-se, caso contrário não existe. O que é uma falácia enorme e uma miopia que assola as ciências sociais e atinge diretamente o marketing e suas ações com base no comportamento humano, incluindo-se ai a pesquisa qualitativa de comportamento do consumidor.

Um peru passa 1000 dias sendo alimentado e cuidado por seu dono e no milésimo primeiro ele, sem aviso prévio, é abatido. Esta aí uma metáfora prefeita sobre o tal do cisne negro a que Taleb se refere. Durante todo esse período o peru achou que estava amparado por alguém e adota um padrão de comportamento condizente com esse fato, sem pensar no que poderia acontecer algo inédito, não esperado.

Nós somos assim em nosso comportamento no transito, por exemplo. Nada vai me acontecer, porque até hoje não aconteceu! É o propósito da sobrevivência em nosso cérebro reptiliano que nos faz agir assim. Os empresários, com apoio da pesquisa de comportamento do consumidor, também tomam medidas, planejam ações para até 3.000 dias futuros em cima dos 1.000 dias que se foram. Ele é o peru que acredita fielmente no dono.

A questão é que nosso cérebro adota padrões ligados a acontecimentos passados e não conta com imprevistos futuros. E este mecanismo é ancestral e tem a função de tentar entender o mundo que nos rodeia. Mesmo quando planejamos o futuro é em função de fatos passados, dados do que já aconteceu e projeções em cima deles.

Assim é a previsão de demanda no Marketing e por isso é tão incerta. Na verdade não contamos com o inesperado, que pode acontecer, mais do que isso, o ignoramos sistematicamente. Nossos cérebros são fabricas de explicações que vivem atribuindo sentido a tudo, sempre buscando e acumulando na memória explicações para todas as ocasiões sem aceitar a idéia do imprevisto.

Na pesquisa de mercado, como é feita tradicionalmente, quando criamos as hipóteses já estamos eliminando o imprevisto, pois o relatado pelo consumidor deve encaixar-se numa das alternativas, no molde que criamos para identificar comportamentos de escolha e compra. As questões são armadas para chegar a um ponto em que se acredita ser chave e não livres para o sujeito consumidor divagar e se expressar sem um rumo, um norte já definido.

A pesquisa normalmente contempla apenas os mil dias idos do peru, sem pensar que num futuro próximo pode acontecer algo diferente do que se viu até então e sem deixar margens para o inesperado, o que seria o pulo do gato. Na verdade a pesquisa de mercado é confirmatória de algo que aconteceu, o que é um viés cognitivo.

Taleb tem uma expressão muito interessante para os outputs da pesquisa de comportamento do consumidor: “aprender de trás para frente”. Fato é que o que descobrimos do passado pode revelar-se irrelevante ou ainda enganador, falseando os resultados. Bem provável ser este o motivo de tantos novos produtos falharem e morrerem cedo demais, mesmo a empresa tendo feito pesquisa de mercado de intenção do consumidor.

A pesquisa de neuromarketing é diferente e promissora porque não trabalha com o passado, mas sim com tecnologias que revelam o estado comportamental atual do sujeito. Ele olha o produto e a ressonância magnética ou o eletroencefalograma assim como o eye tracking detectam momento a momento (milisegundos) as reações cerebrais do indivíduo. Já a pesquisa tradicional, trabalha com a memória do consumidor, que está sempre sujeita a enganos, falsas memórias, transitoriedade e outras facetas que explico melhor na parte III em que trato dos vieses.

A memória conta com o hipocampo que armazena lembranças significativas para o indivíduo, e ela é acionada de maneira indireta, com perguntas escritas ou faladas, sem se fazer uma observação direta na área cerebral. As novas técnicas de pesquisa do comportamento do consumidor são diretas, isto é, vão ao cerne do comportamento, ao órgão que os produz.

1.000 dias do peru não indicou o que viria a seguir. Essa afirmativa ilustra exatamente que o passado não lhe garante que vai acontecer no futuro, como espera a pesquisa de marketing. Mas com as novas técnicas podemos entender o que acontece no presente de maneira direta, indo especificamente ao cérebro do consumidor. Não quero dizer que os métodos de neuromarketing são infalíveis, como pregam muitas empresas que vendem este tipo de pesquisa, mas que podem junto com outras técnicas, chegar perto do real comportamento do consumidor.

Não se pode ser ingênuo de acreditar que apenas uma ferramenta nos dirá tudo sobre um ser tão complexo e por outro lado não se pode negar a importância e vitalidade do estudo das reações orgânicas na influencia do comportamento.

* Pedro Camargo é consultor, conferencista e professor de pós-graudção em Neuromarketing e Biologia do Comportamento do Consumidor.

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